Avançar para o conteúdo principal

Topónimos celtas (I): o tema cerv-

Há quem diga que em Cervo, no norte da Galiza, houve cervos (cervos suficientes como para gerar um zootopónimo, entenda-se), como também em Cerveira ou em Cervanha ou em Cervantes. Ora, os peritos apontam noutra direção, bem mais razoável, que se afasta claramente do zootopónimo.

Moralejo (2010: 107) sugere que se tenha em conta a forma *kerbho- que recolhe Matasović (2009) no seu Etymological Dictionary of Proto-Celtic. Esse *kerbho-, com equivalência no indogermânico *(s)kerbh- (Pokorny, 1943), significaria "dobrar, encorvar". Sem dúvida, *(s)kerbh- está relacionado com IEW *ker e as suas variantes *kor- e *kr- (com significado "alto, corno") que já citamos para a etimologia da Corunha e para a de um bom número de outros topónimos galego-portugueses, tanto na costa como no interior. Dizíamos, pois, que se referiam a orónimos, a lugares altos, quer que fossem montes ou penedos, quer promontórios litorais mais ou menos significados.

Realizando uma procura das ocorrências obtêm-se Cerva, Cervaínhos, Cerval, Cervanha, Cervão, Cervas, Cerveira e Cerveiro, Cervela, Cervelhe, Cervelhos, Cervetelos, Cervicol, Cervinho e Cervo, além do esclarecedor e tautológico Penacerveira. E, considerando também a forma cevr-/zevr-, obtêm-se Zevreiro (nota bene: Pedrafita) e Zevreiros, e também Zevrinhos e Zevrinheiras (graf. isol. Cebreiro, Cebriños e Cebriñeiras). Todos estes casos se correspondem com lugares elevados, promontórios como no caso já referido da Crunha e dos seus parentes Corcubião, Corme ou Carinho.

Mais um argumento a ter em conta seria a sufixação normal dos zootopónimos latino-românicos em -ar (Cabalar), -lhás (Golpelhás), -osa/o (Loboso). Neste grupo está também o sufixo -eira, que aparece em formas como Aguieira, Lobeira, etc., e que poderia coincidir com Cerveira e Cerveiro, mas não, certamente, com o resto de ocorrências de Cerv-/Zevr que já analisamos. E, mesmo no caso de Cerveira e Cerveiro, fica esse Penacerveira que pode ter tanto esse valor zoonímico como, talvez e mais provavelmente (está sob um grande penedo) o já indicado valor tautológico.

Finalmente, cabe considerar que a palavra cervo, do lat. cervus, provenha precisamente também dessa mesma raíz proto-indoeuropeia *ker identificada por Pokorny, e que em latim aparece também em cervix e em cornus. Mas uma coisa é que o topónimo Cervo e o zoónimo cervo provenham da mesma raíz PIE, e outra muito distinta é que o topónimo provenha do zoónimo. Quem estudar etimologia saberá bem disso.

Comentários

  1. Pergunta: suponho que estando aí Cervelhe e vendo que também podem começar por Cor- o topónimo Corvelhe será equivalente, ou?

    ResponderEliminar
  2. Bom dia e parabéns por este espaço que venho de descobrir.
    Interessante a questom que colocas neste texto. Simplesmente queria apontar que nessa listagem que ofereces há também que incluir "Sérvia" (concelho de Lousame), amplamente documentado como "Cervia", e cuja forma escrita atual obedece à interferência do mal chamado "sesseio".
    Salutaçons.

    ResponderEliminar
  3. O anónimo pode ter razão e Corvelhe fazer parte desse grupo kor-. Não sei se será, contudo, equivalente a Cervelhe. Devido à escuridão que há a respeito destes periodos etimológicos, eu não me atreveria a dizer sem dúvida que são equivalentes ou idênticas, ainda quando seja perfeitamente factível e até se possa pensar que tem todas as possibilidades.

    Quando ao que aponta o amigo Ulmo, aí sim não me parece que haja dúvida. Sérvia é o documentado Cérvia e, portanto, deve fazer parte desse grupo de ocorrências que, em qualquer caso, nada têm de exaustivo.

    Muito obrigado a ambos pelos seus contributos.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Volto por estes lares um ano despois. Sou o anônimo do primeiro comentário. Ainda que já lera a primeira resposta nem me parara a agradecer a resposta, cousa que faço agora. E como nom há umha cousa clara, vou-me decantar por que venha de Kor-, porque me faz ilusom :-)
      Mas nom só por isso. Dado que a aldeia á que me refiro está num alto, está povoada desde tempos inmemoriais e há umha mámoa justo á beirinha parece-me umha procedência muito aceitável.
      Nada mais, um saudo, obrigado de novo e a seguir com isto que está mui bem.

      Eliminar
  4. A este respeito, um pequeno texto que escrevim há tempo no meu blogue: http://www.ulmodearxila.blogspot.com/2011/04/ben-sei-que-tina-delito-e-moito.html
    Quanto a "Corvelhe", eu quase me inclinaria por considerá-lo em relaçom com o zoónimo "corvo" através de um uso antroponímico, quer dizer, um nome pessoal CORVELLUS ou CORVILIUS (quiçá melhor o segundo, dado que existe também o ítem "Corvilhom" < CORVILIONE).
    Salutaçons.

    ResponderEliminar
  5. Com efeito. Talvez Corvelhe e Corvilhom/Corvilhão possam vir de corvo e não diretamente da raíz PIE *kor-/*ker-. Em qualquer caso, valore-se o facto de corvo, como corno ou cerviz, virem, através do latim, desse mesmo PIE *kor-/*ker-. Mais uma vez, ainda que as raízes possam estar mais ou menos claras, o que não sabemos, e dificilmente saberemos, é o caminho seguido desde a origem até hoje. Apenas temos documentados, como muito, os últimos 1.500 anos! Jogamos às especulações.

    ResponderEliminar
  6. será que existe alguma relação entre cerveira com o facto de ser presumivelmente território dos seurbi?

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Certamente, vejo difícil, por uma questão puramente geográfica: os seurbi, que mutatis mutandis poderia ter algo a ver morfologicamente com cerb-/cerv- foi um povo situado a sul do Minho, como identifica Leite de Vasconcelos partido de Plínio. Ora, a norte do Minho o tema cerv- é relativamente frequente.

      E, mesmo que não fosse, falta explicar o passo serb > cerb, tendo em conta que a sul do Minho não há fenómeno ceceante que sim há noutras áreas da Galiza (nem em toda). Enfim. Obrigado.

      Eliminar
  7. A comarca burgalesa de La Cervera, justo no sul de Santo Domingo de Silos, constitui os primeiros contrafortes das serras orientais da grã chaira castelhana. Polo menos na atualidade é zona mais de cabras que de cervos. Um dos seus 'pueblos' ou aldeias chama-se Briongos, que bem poderia passar por galego e que tem fasquia céltica. Polas imediações transcorre o rio Esgueva e o mesmo Silos poderia estar relacionado com Sil.

    ResponderEliminar

Enviar um comentário