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Toponímia maior da comarca de Arçúa

A comarca de Arçúa (graf. isolac. Arzúa) limita a norte com as terras de Ordens e Betanços, a leste com a Terra de Melide, a oeste com a comarca de Santiago e a sul com o rio Ulha e as terras do Deça. Na atualidade, a comarca de Arçúa inclui o concelho do mesmo nome, e também os de Boimorto, Pino e Touro. A localização da comarca, acavalo entre as províncias históricas de Santiago e Betanços tem levado à divisão de alguns dos seus concelhos e à criação de outros novos, como o de Boimorto, no século XIX, com o consequente impacto na toponímia maior.


Fervença das hortas no rio de Saímes, que separa os concelhos de Arçúa e Touro

Arçúa

O topónimo Arçúa parece já com essa forma na idade meia: "Petrus Didaci de Arçua" (CDGH, 1283), "scudeiro que levava os taes moravedis ata a vila de Arçua et que tomase carta de pago" (TMILG: Santiago, 1418). A forma originária de Arçúa deveu ser um *Artiŏla, a mesma forma que dá origem a Arçoá em Vilardevós. Dessa maneira, poderia estar relacionado com o mesmo étimo céltico *art- 'urso' que parece estar por trás de Arteijo. Outra hipótese, colocada por Bascuas (2002: 55) é que provenha de *Artiŏwa com o sufixo *-owia que se aponta para Arnóia e que é característico dos hidrónimos. Na sequência do seu valor hidrónimo, haveria então que reinterpretar o primeiro elemento art-/arz- como também hidronímico, segundo o próprio Bascuas presente em Arcela, Arciego, Artes, Artanho e também Arteijo.

Boimorto

Boimorto apenas existe como concelho desde 1835, quando foi estabelecida a última estruturação municipal. As freguesias que hoje fazem parte de Boimorto estavam antes divididas entre os concelhos de Arçúa e Messia, que por sua vez corresponde à comarca de Ordens.

A etimologia popular observa para o caso de Boimorto, logicamente, a morte de um boi. Contudo, ainda que haja quem explique o nome referindo um matadoiro, a norma de afastar-se dessas etimologias populares deve seguir-se também neste caso. Em Boimorto há, com efeito, dois elementos a considerar separadamente: boi e morto; mas não parece que *boi- tenha muito a ver com boi (< lat. bovem) nem que *-morto tenha a ver com morto (< lat. mortus). Boi aparece com frequência na toponímia galego-portuguesa (Boialvo, Boi Grande, Boiamonte, Boi de Canto, Pedra de Boi, Serra do Boi, etc.), onde amiúde se relaciona com litónimos. Sobre os bois da nossa toponímia falamos já noutra nota. Mas também há quem, como José M. González, proponha uma origem no hidrónimo bodo(m).

Seja lá como for, a segunda parte, -morto, parece relacionada claramente como o céltico *mor-, com valor oronímico, ou também, segundo Costa (2009), um grau zero do IE *meur-, com o significado de lodaçal. A etimologia de Boimorto é, portanto, controversa: poderia relacionar-se com bodo e *meur-, dando como significado um hidrónimo terroso ou um curso especialmente lamacento de um rio; ou poderia relacionar-se com os orónimos *boi- e *mor-, dando origem a um pleonasmo que, por sê-lo, também não deve estranhar a ninguém que procure a origem dos nossos topónimos. Em todo caso, é um topónimo consolidado bem cedo, com a sua forma atual recolhida já no século X, no Tombo de Celanova (CODOLGA, 961): «quod nunc vocatur Cerserelio qui est inter villa Sanbadi et Boimorto»

Pino

Muita menos explicação requer o corónimo do Pino, que só não resulta transparente pola lenta desaparição — por pressão do barbarismo castelhano El Pino — do particípio pino, -a com o significado de empinado, íngreme. Nada a ver com pinheiros, em qualquer caso e por mais que uma árvore seja o centro do escudo municipal, se tivermos em conta que no étimo latino, pīnus, o i longo se encarrega de modificar o -n- tornando-o velar /ɲ/, e que, portanto, a evolução do pinheiro latino seria pīnus > pinius > pinhu > pinho, e nunca *pino.

Touro

Em troca, sobre Touro convém deter-se um bocado, porque está estendidíssima a ideia de que tenha algo a ver com os touros, do mesmo modo que muitos outros topónimos com raíz semelhante: Tourinhão, Tourém, Touriga, Toural, Touredo, Tourinha e um longuíssimo etcétera. Já foi dito, como norma geral, que convém desconfiar dos zootopónimos e dos fitotopónimos, não sendo que expressem conjuntos mais ou menos grandes, com entidade avonda para georreferenciar um lugar, para o nomear. Não é o caso de Touro. Primeiro, porque um touro não tem essa entidade; segundo, porque touros há por toda a parte. Em qualquer caso, a teima em relacionar Touro com o animal do mesmo nome não é um problema exclusivo deste caso. Também é muito comum noutros lugares, alguns dos quais até têm a sua história etimológica bem à vista, como Toro, vila oriental da província de Zamora, cujo nome é evolução da expressão campu gothorum, campo de godos.

Voltando para Touro, parece mais inteligente procurar uma explicação na sua extensa série, onde também se encontram formas sem diptongação — Toronho, Torronha — e que vai além da Galiza: Tauriac, Thoiré, Thorey, Thoiry, Toury na França, por exemplo. Todas estas formas podem relacionar-se com o pré-romano *teu/*tu, com o significado de 'inchar-se, tornar-se forte', que no plano da toponímia marca claramente um orotopónimo, o nome de uma elevação. Por sinal, é provável que a mesma raíz esteja também na história da palavra latina taurus para se referir ao animal, mas para este caso, a raíz deveu chegar diretamente, sem passar polo latim.

Comentários

  1. Antes de nada, noraboa pola vosa estupenda iniciativa para o coñecemento dos nomes do noso país. Sobre as propostas de Arçúa engadirvos a de; https://anosahistoria.blogspot.com/2009/06/arzua-non-foi-araduca-falsa-historia.html
    A proposta de Bascuas en referencia a un hidrónimo non parece doada de defender, nin na parroquia de Sta. María nin na de Santiago hai ríos ou regatos. Un saúdo e moita forza.

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