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Vigo: a cidade que se chama aldeia

Como parece que, sem tê-lo pretendido, se tem estabelecido uma série de grandes cidades galego-portuguesas (Compostela, A Crunha, Lisboa), tratemos nesta ocasião Vigo, a cidade mais importante da Galiza por número de habitantes e por potência económica. Então, o que significa Vigo?

Existe, à partida, um consenso geral a respeito de que Vigo procede do latim vicus. As normas de evolução linguística do latim vulgar para o galego-português não contrariam esta afirmação, antes ao contrário. Vigo seria, pois, vicus; nisso não há controvérsia. O que não fica assim tão claro e evidente é o significado desse vicus latino. Porque, é certo, vicus é a palavra romana (< PIE *woiko-, clã, povo) para nomear uma aldeia, um povoamento (marinheiro) muito pequeno que, no caso que nos ocupa, deveu estar estabelecido nas imediações do que hoje se conhece como o bairro do Berbés. Nesse caso, um topónimo Vicus com significado de aldeia teria ainda mais sentido se considerarmos que, desde o s. VIII a.C. até finais do s. I d.C., essa área da atual ria de Vigo, nomeadamente a sua beira sul, esteve densamente povoada tal como testemunham os 26 castros catalogados, o maior dos quais na aba do monte do Castro, muito perto do núcleo do Berbês e, pois, muito próximo também do pequeno Vicus. Aliás, existe debate sobre a localização do topónimo Vicus Spacorum ou Vicus Scaporum, que há quem situe neste Vicus, ainda que com pouca provabilidade se considerado o texto do Itinerário Antonino (ultimamente mais conhecido pelo seu cognome Per Loca Maritima). Mesmo sendo assim e ficando o Vicus Scaporum/Spacorum na redonda (e nada há que o documente tão miudamente), sem dúvida o nosso Vicus seria ainda menos relevante do que o Vicus do Itinerário.


A cidade de Vigo, com a ria do seu mismo nome a norte e Cangas do Morraço a norte desta

Enfim: como vicus é (quase) todo lugar quando nasce, também existe a possibilidade, apontada por alguns, de que o significado de vicus não seja tanto o de um assentamento pequeno, mas o de uma ruela ou rua estreita (vicus como diminutivo de via). Nada parece que o impeça, mas convém fazer algum apontamento ao respeito: em primeiro lugar, o núcleo que se crie por volta de uma ruela não poderá ser muito grande e, ademais, deveu ser significativamente pequeno durante muito tempo, para permitir fixar o topónimo, ou, como muito, carecer de qualquer outro elemento mais significativo. Ao cabo, uma aldeia que se chame Aldeia, tem necessariamente de ser bem pouquinha coisa. Em segundo lugar, apontando de novo para a intensa densidade populacional e, portanto, comercial, da área, parece estranho que o que haja a salientar seja, precisamente, uma via de mínima categoria.

Por isso, cobra ainda mais força a ideia de uma aldeia pequena. Ora, foi pequena durante tanto tempo? Quem hoje olhe para Vigo e pense nos seus trezentos mil habitantes terá as suas dúvidas. Porém, se na época romana se manteve como um núcleo desprezível em comparação com outros lugares da zona com mais pujança, essa tendência poderia muito bem ter-se mantido durante a Idade Meia, contando com o retraimento da população para zonas mais no interior, fugindo das constantes incursões germânicas por mar. Com efeito, por volta dos s. XI e XII, os maiores povoamentos dão-se em lugares não estritamente costeiros que coincidem aproximadamente com os atuais Bemvrive, Corujo, Castrelos, Valadares, Sárdoma, Fragoso e Lavadores. Pois, não será até ao s. XII que a área viguesa comece a recuperar população. Inclusive no s. XV as ribeiras da Ria de Vigo estão longe de ter a pujança económica e demográfica, e é o de Erizana (atual Baiona) o porto mais importante. Como quer que fosse, a finais do s. XVI, Vigo contava, em toda a sua extensão, com pouco mais de 800 vizinhos. Já não se tratava, certamente, de um vicus. Mas, para então, o topónimo tinha já tido tempo suficiente para assentar-se fortemente.

A revolução demográfica em Vigo não se produziria, em qualquer caso, até o s. XVIII com a chegada das indústrias pesqueiras catalãs e, posteriormente, na década de 1960, com a multiplicação da sua potência industrial (zona franca), combinada com o seu já poderoso porto, que hoje é o primeiro porto do mundo por comercialização de peixe. Todo isso saído de um vicus, uma aldeínha até quase sem nome, que teve diversas réplicas por todo o território latino. Com vicus temos também, na Galiza, outros casos bem mais humildes: vários Vigo, Bico, Viqueira (ou Biqueira) e Vigueira, um Ouvigo (o + Vigo ?), um Vigobom e um Vigovidim; na Espanha e na Itália há vários Vigo; e na Catalunha há um Vic, presente também na França, que, por sua vez, possui ainda um Vichy, um Vy, e um Vicq. E, contudo, nenhum deles teve essa "sorte" (entre aspas, considerando a desfeita ambiental, urbanística e paisagística que sofre Vigo) evolutiva que torna tão especial o principal Vigo da Galiza.

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