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Topónimos germânicos (VI): terminações em -ilde

Nesta sexta nota sobre antropotoponímia germânica vou expor o caso dos topónimos terminados em -ilde. Procedem, como no resto dos casos, de um genitivo, neste caso -gildi, com uma evolução dupla: para -ilde, pola perda do -g- não sonorizado; e para -gilde, pola sonorização dessa gutural. Com independência do modo como evoluiram, estas terminações correspondem-se com o étimo paleo-germânico *geldan 'tributo, recompensa' funcionando como deuterotema (ver CTAGG).

Se deitarmos uma olhada nos compéndios toponímicos da Galiza, encontramos as seguintes ocorrências: Agilde, Aquisilde, Baílde, Engilde, Espaílde, Fagilde, Faílde, Gugilde, Jugilde, Lugilde, Urdilde, Novegilde, Nugilde, ademais de um Vilagilde que mercerá um comentário mais demorado e um Vilarfrugilde. Fora da atual CAG, há um Tenchilde no conc. de Porto, um Ungilde e um Cristilde no conc. de Povra de Seabra — todos na comarca de Seabra.

Algumas evidências

Como nas anteriores notas, a maioria dos topónimos encontrados apresentam equivalências diretas com antropónimos documentados em textos da época. Não é necessária muita imaginação para ver que Aquisilde provém de Aquisildus, que Engilde provém de Engildus ou que Fagilde e Faílde provêm de Fagildus, dando para a vista, ao mesmo tempo, essa dupla evolução de que falei acima. Tampouco é obscuro o topónimo Cristilde se considerado genitivo de um híbrido romano-germânico Christildus. Outra opção, que parece mais provável porque apoiada na onomástica é que, do mesmo modo que em Cristosende e Cristomil, proceda de um étimo Vistrosildu deduzível por outras ocorrências com o mesmo protema: Vistrimundu, Vistremiru, Vistraricus, etc. A evolução w- > k- também está atestada: Guimarei (Vimaredu), Guisande (Visandu), etc. O mesmo para a metátese de -r-. De maneira que, talvez, a evolução tenha sido algo assim: *Vistrigildi > *Vistrildi > *Vristildi > Cristilde.


Na mesma linha está Cristosende (conc. Teixeira), que parece provir de Vistrosindu, deduzível pola presença de Vistrimundu, Vistremiru, Vistraricus, etc. A evolução de Vistrosindo para Cristosende requer uma evolução w- > qu-, comum noutros casos como Guimarei (Vimaredu), Guisande (Visandu), etc.; e de uma metátese de -r-: Vistrosindi > Guistrosindi > Gristosindi > Cristosindi.

Se tivermos também em conta as quedas das intervocálicas e, em geral, o que é a evolução normal no romance galego-português, também é fácil comprovar a equivalência entre Agilde e Anagildus, entre Gugilde e Geodegildus, entre Lugilde e Leovegildus ou entre Ungilde e Gundegildus. Também é possível considerar Jugilde de Iugildus, não documentado, mas sim como Uisegildus, ou inclusive de Suigildus, em cujo caso haveria que grafar Xugilde. Por último, em Vilarfrugilde, que conviria talvez grafar Vilar Frogilde, o que há é Frogildus.


Topónimos germânicos com terminação em -ilde.
Fonte: elaboração própria a partir dos Nomenclátores oficiais da Galiza, Astúrias e Castela e Leão. 


Algumas deduções

Noutros casos em que não há documentado antropónimo correspondente, é necessário levar em frente um processo comparativo para tirar, de outros antropónimos, os protemas que expliquem o topónimo em questão. Assim, não se documenta Bagildus, nem Banildus, nem Badildus, mas sim Bagesindus, o que torna possível considerar esse Bagildus que dê Baílde. E o mesmo passa com Espaílde, cujo antropónimo mais próximo documentado é Sparildo, mas que apresenta a dificuldade de explicar como, neste caso, caiu o -r- intervocálico, que é norma manter em galego-português. Como alternativa, há documentados Spanaricu, Spanarius, Spanosendo e Spanubrida que permitem albiscar um Spanegildu, que concorda bem como o nosso Espaílde.

Algumas hipóteses

Por último, existem três topónimos sobre os que apenas posso oferecer conjecturas. Sobre Neovegilde e Nugilde, parece evidente que Neovegilde seja a forma mais arcaica. Não há, porém, ocorrências documentais desta forma, o que obriga a considerar duas hipóteses: a) que seja um híbrido latino, com a partícula neo- proveniente, por sua vez, do grego; b) que seja uma evolução pouco comum de Leovegildus, como o que se produz, por exemplo, no par naranja/laranja, que se produz a partir do século VIII.

No que tem a ver com Urdilde, documentado também como Ordilde, é possível enxergar um antropónimo Ardegilde similar a Ardemiru ou Ardemundu, onde o a- inicial se realice em o- e -egi- fique reduzido a -i-: Ardegilde > Ordegilde > Ordeilde > Ordilde > Urdilde.

Finalmente, Vilagilde oferece também duas hipóteses que não se excluem: a) que se trate de uma uilla Anagildi, cuja evolução normal seria, com efeito Vilagilde; ou b) que se trate de uma uilla Gildi, onde Gildi seja genitivo de Gildu, efetivamente documentado, mas funcionando aqui como tema único, o que não é muito comum na antroponímia germânica, sueva, na Gallaecia.

Por último, resta-me reconhecer a minha incapacidade para resolver a etimologia de Tenchilde como não seja uma realização africada postalveolar surda de *Tengilde, muito similar com Tangil, com terminação apocopada que iremos tratar numa adenda a esta nota.  

LEIA MAIS:

  1. Topónimos germânicos (I): Terminações em -rei
  2. Topónimos germânicos (II): Terminações em -riz
  3. Topónimos germânicos (III): Terminações em -mil
  4. Topónimos germânicos (IV): Terminações em -ulfe, -ufe, -oufe
  5. Topónimos germânicos (V): Terminações em -sende e -sinde
  6. Topónimos germânicos (VI): Terminações em -ilde

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