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Lugares com falso nome de pessoa (I): Suso e Susana

Como nesta época estamos a falar da relação entre antroponímia e toponímia, nomeadamente a respeito dos antropotopónimos germânicos na Gallaecia, a nota de hoje vai sobre um tema similar, adjacente quase. Certamente, todas e todos teremos visto nomes de pessoa nos topónimos: não estou a falar em hagionímicos nem apenas no facto de haverem antropónimos camuflados na origem de alguns nomes de lugar, como no caso comentado de antroponímia germânica com terminação em -rei, em -riz, em -mil ou em -ulfe, que também já se viram aqui. Estou a falar de nomes de pessoa clarinhos, visíveis, evidentes. Mas, é tanto assim? É, mesmo?

Não são numerosíssimos, mas chamam muito a atenção aqueles Susana, Suso, Maria, Mariola, Santiago, Marcos ou Gonçalo. E qual pode ser a sua explicação? Qual a sua razão etimológica?


Ocorrências de Suso (preto) e Susana (branco). 
Fonte: SITGA-IDEG e IGN


Comecemos por Suso e por Susana. Suso, por influência do espanhol, é diminutivo de Jesus na Galiza. Não tem muita mais ciência, no que diz a respeito do nome. Por sua vez, Susana teria chegado através do hebreu (Daniel 13 e Lucas 8, 3), em forma de sasson, com o significado de lírio, ou bem através do arameu shoshana, com o mesmo significado. Em Pérsia, de facto, essa é a origem do nome da antiga cidade de Susa, e, claramente, essa é também a etimologia do nome de mulher que a literatura bíblica tanto popularizou na Europa e, desde aí, polo imperialismo, no mundo inteiro, com diversas formas. Porém, não é a origem do topónimo Susana, como também Jesus não é a origem do topónimo Suso.

Existe, para ambos, uma (mesma) explicação mais prosaica: derivam do latim tardio susu, que em galego-português deu, derivadamente, susu > suso, susano > susão e susana > susã. O significado, literalmente, seria "a/o que está arriba" ou "a/o de riba", referindo-se a terras ou vilas divididas ou próximas que se distinguiam pola sua altura: vila susana seria, então, igual à mais comum e menos interessante Vila de Riba, e obriga, portanto, a existir uma Vila de Baixo ou uma vila jusã. Jusã, frente a Susã ou Susana, provém do latim tardio iusu, que deu jusu > juso, jusano > jusão e jusana > jusã. E essa dupla deve existir por mais que às vezes esse topónimo de oposição se acabe por perder. É o caso, por exemplo, de Neira de Jusã, na Galiza, (antigo nome da atual Neira de Rei, conc. Baralha), de Vilajusã (graf. isol. Vilaxusá, conc. Trabada), de Vilajuso (conc. Meira) ou de Jusãos (conc. Lâncara), e é-o também de formas como A Susana (por certo, com artigo), Angueira de Suso, Vilar de Suso, ou, simplesmente Suso.

Ademais, em Portugal, tal como documentados por José da Cunha, topamos, para lugares baixos, Aldeia de Juso, Outeiro Jusão, Paço de Jus, Pereira Jusã, Portela de Jusão e Vila Jusã; e para lugares elevados, Arcas de Susãs, Portela Susã, Susã, Susana e Susão.

Finalmente, duas considerações. Em primeiro lugar, é certo que as línguas têm os seus mecanismos para evitarem a confusão de elementos como juso e suso, praticamente homófonos. Mas, no que diz a respeito do caso particular da Galiza, tanto a imposição da fonética castelhana, que em determinados casos produz uma assimilação do fonema [ʃ] com a grafia "s" pola quase inexistência desse mesmo fonema em castelhano, quanto a política culturicida que se segue, nomeadamente entre 1936 e 1980, não podem assegurar que todas as ocorrências de sus- respondam ao lat. sus-, e não ao lat. ius-. Cousa que complica enormemente o seguimento do topónimo, tal como testemunham formas como Susana de Baixo e Susana de Riba (ambos conc. São Amaro), que em boa lógica deviam ser os pleonasmos Susana de Baixo e *Jusana de Riba. Em segundo lugar, a aparição de um nexo preposicional "de", ainda que iusu signifique já, literalmente "de baixo" e susu signifique "de riba", também não deve estranhar se, por exemplo, se compara com o caso conhecido do rio Guadiana, onde guadi- significa rio, e -ana, também significa "rio", sendo que, finalmente, se trata do "rio rio-rio".

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